CONVIVÊNCIA DELICADA
ESPECIAL PET

POR JOYCE MOYSÉS

Matéria publicada em AT Revista, A Tribuna Ed 489 em 13/04/2014.

Ter bebê e bicho de estimação em casa dá um casamento bom? Como não despertar ciúme nem facilitar doenças? Veja aqui as preocupações por trás dessa relação.
Muitos paist êm dúvida quando possuem animais de estimação (ou gostariam deter). Basta confirmarem a gravidez para lançarem olhares desconfiados. Será que os bichanos podem fazer mal ao mais novo e frágil integrante da família? A preocupação tem lógica. Os riscos não são tão grandes como parecem, mas eles existem, tirando o sono de um número crescente de pessoas.
Afinal, há cão ou gato morando em 44% das residências brasileiras, sendo que 40% dessas são de casais com filhos pequenos, de até 9 anos, segundo apesquisa Radar Pet 2013 da Comac (Comissão de Animais de Companhia do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal). Até o bebê George, filho do Príncipe William, divide espaço com Lupo, cachorro da família real, no Palácio Kensington, na Inglaterra.
“Tudo na vida tem o seu lado bom e o ruim, sendo necessário avaliar prós e contras, principalmente por que estão em jogo fatores clínicos, psicológicos, ambientais e financeiros”, diz o pediatra Yechiel Moises Chencinski, incentivando uma decisão responsável em seu site, enão porque está na moda.
“As pessoas precisam ter a consciência de que a convivência é positiva para o desenvolvimento emocional e social do bebê. Ensina muito sobre amizade, carinho, parceria e perda (uma vez que os bichos costumam ir embora antes)”, afirma a veterinária
Jacque Felippetto. “O essencial é levar seu animal ao veterinário, que vai colocar a vacinação em dia, realizar exames e orientar. Se houver esse acompanhamento profissional regular, dificilmente passará doenças, como verminoses, sarna e micoses”.
A veterinária Bibiana Carneiro, que dirige no Brasil uma empresa de vacinas, também sugere explicar a situação ao pediatra: “Lembrando que, em geral, ele não tem um conhecimento tão aprofundado sobre zoonoses (doenças em geral infecciosas, transmitidas a nós pelos animais). Então, diante de qualquer dúvida, tenderá a propor o afastamento do bicho”.
Jacque complementa que o maio rmotivo para os donos pensarem em afastamento ou doação tem a ver como comportamento. “Precisa ser dócil para conviver com bebês. No caso de cachorros pequenos, os da raça shihtzu e yorkshire são tranquilos. Quanto aos grandes, boxer, Golden retriever elabrador, por exemplo. Importante: o grau de docilidade também depende dec omo esse animal é criado”, avisa.

PREPARAÇÃO SAUDÁVEL

A psicóloga Juliana Zoriki, dona do Amigos do Zorikão, hotel e creche para cães e gatos com atividades de adestramento, consulta comportamental e nutricional, já recebeu vários casais querendo preparar seu pet para tal novidade. Os cuidados devem começar desde o início da gestação, se possível. “A pior coisa para um animal que tinha livre acesso a toda casa, e era tratado com o filho, é não poder mais ficar perto dos pais nem receber seu carinho. É o mesmo sentimento do primogênito, que pode alimentar ciúme do irmãozinho, ficar deprimido ou agressivo”, compara a proprietária.
A maioria dos cães e gatos não ficará muito feliz em deixar de ser o centro das atenções, segundo Moises Chencinski, especialmente quando perceber que esse intruso tem um espaço só dele (às vezes, a sala ou o quarto dos donos da casa). “Animais necessitam de rotina. Se ela tiver que ser modificada, faça antes de trazer o bebê. O gato terá seu espaço de sono em outro lugar? Adapte-o aos poucos”, orienta o pediatra.
Vale apresentar os novos brinquedos e cheiros, restringir o acesso ao quartinho desde a montagem… Até enrolar uma boneca na mantinha e deixá-la próxima dele ou segurá-la enquanto acarinha o bicho. “Trata-se de fazer um reforço positivo, assim como impor limites o quanto antes, para que ele não associe as mudanças à chegada do novo membro da família”, diz Bibiana.
E quanto ao contato com a futura mãe? Quem não apresentava nenhum quadro alérgico antes da gravidez dificilmente terá problemas durante os nove meses. Para se prevenir de uma doença grave transmitida pelas fezes dos animais, peça a outras pessoas para fazerem a limpeza e lave as mãos comfrequência. Se é dona de um pet enorme, redobre o cuidado com impactos e quedas na hora das brincadeiras.

CONVIVENDO PARA VALER

Um ponto a considerar é que bicho consome energia e tempo, duas palavras escassas no dicionário da mãe recente. “A gente tinha um casal de periquitos quando engravidei”, conta Daniela Folloni, criadora ediretora do site It Mãe. “Um deles fugiu e eu chorei muito (coisas de grávida). Até comprei outro para fazer companhia ao que ficou. Daí, quando a Isabela nasceu, não conseguia mais dar atenção aos bichinhos. E eles faziam uma sujeira danada de alpiste. Resolvi doar e desisti de criar qualquer tipo de bicho. Não dou conta de cuidar de mais um ser vivo!”.
Por outro lado, estudos como o publica do na revista americana Pediatrics mostram que crianças que convivem nos primeiros anos de vida com cães e gatos estão menos propensas a desenvolver problemas respiratórios e infecções. Mesmo assim, não deixe o animal lamber ou cheirar o bebê, já que a imunidade ainda é baixa e a criança nem tomou as vacinas necessárias.
Moises Chencinski lembra que o recém-nascido (até 28 dias de vida) tem pouco contato com o animalzinho: “Sua vida se resume a mamar, dormir, chorar, fazer cocô e xixi e iniciar um processo de interação com o mundo que o cerca, de forma bem lenta e gradual”.
Para evitar crises alérgicas, os veterinários recomendam manter a higiene e escovação do bicho em dia e procurar o pediatra se o problema se manifestar. No mais, cada casal estabelecerá novas rotinas para toda a família, conforme seu estilo de vida. Vai definir modos e horários para comer, dormir, fazer barulho, brincar ou passear.
“Lembrando que dar atenção ao bichinho com a criança por perto vai fazê-lo gostar dela”, reforça Bibiana, que tinha um boxer, uma golden, dois gatos vira-latas e uma galinha quando deu à luz ao Alex. “Uma vez, o vi alternando a chupeta na boca dele e na do cachorro. Lavei e expliquei para não fazer mais isso. Na escola, ele repetiu a brincadeira com outra criança. E sobreviveu”.

RESPONSABILIDADE DO ADULTO

Como crianças pequenas não distinguem seu bichinho de pelúcia do verdadeiro, podem machucá-lo apertando, jogando-o para o alto e batendo se acharem que ele fez algo errado. Essa relação pode causar danos físicos ao animal e à criança. O gato pode arranhar, o cachorro, morder, e o pássaro, bicar. Então, o adulto tem que estar sempre atento e conversar como filho, levando-o mais na frente nas consultas ao veterinário, para ele saber como se relacionar com seu fiel companheiro. “Ser ensinado a respeitar o animal também”, alerta Jacque.
“Tenho muito a falar sobre esse assunto, até porque me baseio nessa questão para adiar a decisão de engravidar”, diz Tamara Foresti, diretora e idealizadora do portal Top Mothers e apaixonada por bichos, principalmente cachorros. “Tenho dois que tirei da rua. O Chicão é uma mistura de akita com chow-chow ou pastor que resgatei já adulto há quatro anos. Muito doce, mas a verdade é que não tenho ideia do que ele passou na vida e nem porque foi abandonado. Já o Boca veio para casa filhote, então posso prever melhor seu comportamento. Nunca me preocupei com a presença deles ao lado de crianças até a véspera do meu casamento, quando meu doce Chicão atacou meu sobrinho, na época com 6 anos e o deixou internado por três dias. No hospital, os médicos me disseram coisas horríveis sobre ataques de cachorros da família, principalmente de raças menores”.
Depois desse trauma, Tamara contratou um adestrador para saber como evitar futuros ataques e para tentar entender o que levou Chicão a agir assim. “Muitas vezes as crianças perturbam os cachorros, que não sabem se defender de outra forma. Outras vezes, o animal pode confundir os sons infantis, especialmente um choro de bebê, com o de gato. Como amo o Chicão, pretendo esperar até que ele não esteja entre nós para ser mãe”, relata ela, que atualmente não deixa seus cachorros perto de crianças sem a sua supervisão.
“Quando você pega um cachorro filhote, de uma raça teoricamente mansa, e ele cresce bem perto da criança, com os pais dando bronca tanto no cachorro quanto no filho na hora que um avança no outro, as chances de os dois serem bons companheiros a vida toda aumenta muito. Mas, se um ataque acontece, acredito que a responsabilidade pela criança e pelos atos do bicho é do adulto. Eu me sinto culpada pelo ataque ao meu sobrinho. Apesar dos pesares, valorizo essa convivência. Mas o animal deve ser escolhido com cuidado e com uma relação bem supervisionada. Assim como os pais já fazem ao escolher uma escola para o filho. É mais uma responsabilidade que eles assumem. E mais um filho que pegam para criar, educar e amar”, finaliza a diretora do Top Mothers.